Rio -  Após ver o pai ser assassinado na frente da mãe e do irmão de 7 anos, por causa do comércio de diamantes, a única opção era fugir da República do Congo, na África. E, depois de um mês andando pela floresta e 21 dias no porão de navio, enfim, o menino chegava ao Porto de São Paulo. O drama acabou no Rio, onde há dois anos Ngoma Landu, de 11, tenta recomeçar a vida, com a ajuda da família e da Escola Municipal São Paulo. O drama dele é um entre as 2.687 histórias de refugiados de guerras que encontraram asilo no Rio.
Foto: Paulo Araújo / Agência O Dia
Foto: Paulo Araújo / Agência O Dia
“Saímos sem nada, sem dinheiro, roupas e documentos. Fomos sequestrados, ficamos nove meses reféns de guerrilheiros, trabalhando como escravos, até conseguirmos fugir, andando pela mata. Saímos eu, meus dois filhos, uma sobrinha e duas irmãs. Uma delas não aguentou, morreu no caminho”, lembrou a mãe de Nogma, que preferiu não revelar a identidade.
PRECONCEITO
A dona de casa ainda não conseguiu emprego no Rio. Segundo ela, pela dificuldade com a língua portuguesa (fala apenas francês e dialetos africanos) e pelo preconceito. Ela, que sobrevive com a ajuda de R$ 150 mensais que recebe da Cáritas Arquidiocesana do Rio, sonha se estabelecer no Brasil, conseguir psicólogo para os filhos e abrir um salão de beleza para trançar cabelos:
“Não posso voltar, lá eu morro. Vou continuar aqui, mesmo com as dificuldades financeiras. Fico feliz quando as crianças vão para a escola porque sei que vão fazer uma refeição. Faço o almoço hoje sem saber o que terei para comer amanhã”.
Segundo Heloísa Nunes, coordenadora do Cáritas, atualmente, apenas 6% dos refugiados são crianças. A rede pública atende 250, espalhadas em 185 escolas. Os países com maior número de refugiados no Rio são Angola, Colômbia e Congo. “A escola para os filhos é a primeira coisa que eles pedem quando chegam”, contou Heloísa.
‘As pessoas perguntam se na África eu dormia com leões’
Elaine e Matheus, de 6 e 11 anos, estão há um ano no Rio. Os dois parecem cariocas natos. Enturmados no bairro e na escola, não sentem tanto a falta da República do Congo, de onde saíram. Mas a mãe, Nádia Ndona, ainda pena para recomeçar. Ela, que foi violentada em seu país por um militar e ameaçada de morte após denunciá-lo, quer esquecer o sofrimento. “Preciso trabalhar, mas não consigo emprego. Primeiro, tinha a dificuldade com o idioma; depois, a falta de documentos e sofro com preconceito. As pessoas perguntam se na África eu dormia com macacos e leões”, contou ela, que era comerciante no Congo e cursava faculdade de Economia.
‘Me sinto chique quando ele me chama de madame’
“Gosto muito da minha madame”, conta o menino Nogma, que só chama a professora pelo nome que aprendeu no Congo, onde se fala francês e ‘madamme’ significa senhora. A relação dos dois ultrapassou a sala de aula e virou amizade. “Gosto de todo os meus alunos, mas tenho carinho especial por ele. Me sinto chique quando ele me chama de madame. Fiquei impressionada com sua educação. Sentia que tinha dificuldade quando entrou no 4º ano, então dava exercícios separados para casa do 2º ano para ajudá-lo a reforçar a alfabetização em português”, contou a professora Mônica.
‘O colégio sempre foi importante para a minha filha’
Já são pouco mais de oito anos no Brasil. A colombiana Mônica Ocampo Franco, 40, que fugiu com o marido e a filha, na época com 2 anos, de guerrilheiros que roubaram sua casa, mora de favor nos fundos de igreja evangélica. E vende frutas para compor o orçamento familiar; o marido dá aulas de espanhol. Para poder auxiliar a filha na escola, Bethsua Joana Zapata, 11, aluna do Colégio Pedro II, decidiu fazer simulado e as duas estudam juntas. “O colégio sempre foi muito importante para a minha filha, não apenas para os estudos. Uma vez Bethsua teve dengue e pneumonia, e as professoras fizeram uma vaquinha de R$ 120 para me ajudar com os remédios e o transporte”.